AMARO FREITAS
Há duas semanas assisti o festejado pianista recifense @amarofreitaspiano no @sesc14bis
Eu o vi pela primeira vez numa edição do Jazz na Fábrica. Já era comentado em alguns grupos e fui assistí-lo, deve ter sido em 2017. Já era um grande musicista, excêntrico, mudérno (como diz Hermeto), mas tinha aquela identidade ainda em processo, uma fusão de muita musicalidade, mas bem jazzístico, era fácil perceber inspirações de Monk e também de John Cage.
Em 2020, raspando na chegada da pandemia ele tocou no Sesc Instrumental, deve ter sido uma das últimas apresentações antes do período de fechamento dos teatros. Aquela apresentação me ajudou passar as primeiras semanas da pandemia (quando vou numa apresentação boa fico com ela na cabeça por dias e aquele programa possuía o acréscimo de ficar gravado, voltei nele algumas vezes no youtube). Ali já encontrávamos um jazzista com características musicais nordestinas.
Tempos depois eu o vi no Café lá em Casa do @nelsonfariaoficial e já era um artista que encontrou o que procurava, sua identidade artística havia encontrado seus traços principais. Ele, visualmente, sua negritude, me faz lembrar um misto de Thelonius Monk com Charlie Mingus, embora nunca o tenha visto usando blazer, mas roupas coloridas e confortáveis que acentuam sua ancestralidade afrodescendente.
Um homem negro e nordestino que cresceu na periferia do Recife, no bairro Nova Descoberta, o que de algum modo sinaliza-nos o que ele significa à cultura brasileira, uma descoberta. O mais rico disso tudo é que ele não foi estudar música na Juilliard ou na Berklee, e nada contra quem foi. A música estava nele, bastava ser fertilizada. Ele é filho de padeiro e que também teve de vender pão para se manter, contou numa entrevista que não pôde pagar aulas de música e tomava aulas com um barbeiro que havia estudado um pouco mais. Hoje aquele mesmo homem, maduro e florescido, circula por importantes palcos do mundo levando nossa musicalidade nos ambientes reservados ao jazz.
E esse musicista encantador se atreveu a convidar o também pernambucano Zé Manoel para interpretarem um dos maiores discos da música brasileira: Clube da Esquina. O disco original já carrega uma riqueza rítmica, harmônica e melódica sofisticada que pouco se vê na música popular e com eles ganhou outros traços, com muitos rubatos que fizeram das músicas ainda mais intensas e envolventes, mormente com a participação afinada e emotiva da plateia. Foi um deleite, quem pôde assistir não tem do que reclamar, talvez um único motivo nos desagrade, acabou!
Quantos novos Amaros que não significam novas descobertas não temos perdidos neste país? São os gênios sem lâmpada, sem perspectiva, são os que fazem pão, entregadores, pintores de paredes, mecânicos... que têm um grande pianista esperando a oportunidade para nascer!
Viva Amaro Freitas e a Música Brasileira!