segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Volante de Várzea vai impresso à livraria vestido de gala



Fracassei em tudo o que tentei na vida.

Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.

Tentei salvar os índios, não consegui.

Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.

Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.

Mas os fracassos são minhas vitórias.

Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

Darcy Ribeiro


Nós utopistas, como bem lembrou Duvivier em um de seus saudosos Greg News, recordando Darcy Ribeiro, já temos um discurso pronto à inevitável derrota, e isto é tão esperado que sequer sabemos nos preparar para comemorar vitórias, é meio como jogar na loteria.

Quando registro o pronome nós incluo-me e também meu amigo autor desta despretensiosa obra que não será um best-seller, será mais uma teimosia editorial. Uma bela insistência, já que filho de retirantes irresignados às capitanias hereditárias foi estudar e numa manhã qualquer acordou e se viu escritor, só pode ser por perseverança, tal qual aquela flor de Drummond que nasceu no asfalto. Assim é nosso amigo e escritor Dr Limas, que traz a tradição rebelde de Antônio Conselheiro com a perspicácia e erudição de Glauber Rocha com seu cinema de manifestos nada hollywoodianos, para lembrar de outra área em que Limas é versado. Também é fanático pelo esporte bretão e cerveja, os inúmeros textos sobre o tema o denunciam, um quase hooligan dos trópicos, mas que vez ou outra se tempera com poesias apaixonadas à Vinicius de Moraes sob embalo dos irmãos Gallagher. E há algo de que Limas muito se orgulha é de sua existência paterna, basta vermos quando está acompanhado por Pietro, seu filho!

Voltando ao antropólogo preferido dos losers gauches, ministro da educação de Jango e posteriormente vice-governador e Secretário de Brizola, ele nos ensinou a importância da derrota, sua validade, que chega quase ser uma vitória, dependendo de contra quem ela ocorrer. Muda tudo saber contra qual projeto ou força a nossa derrota é obtida. Disse ele ser muito melhor estar ao lado dos que perderam do que ao lado daqueles que o venceram. Concordamos! Assim, a nós, constituintes das camadas pobres deste país, a derrota é também nossa forma de vitória, seria delinquência ético-política mudarmos de lado, trocando nosso assento na cadeira dos oprimidos a dos opressores!

Há uns dois anos Ed Limas me procurou para abrir um Blog e o título tem muito de seu universo cultural, demoramos chegar nele, mas na lapidação o título foi surgindo óbvio, como uma escultura: Volante de Time de Várzea. Contudo, sua vastidão cultural é tão ampla que o futebol é insuficiente para circunscrevê-lo. Assim, se é um volante de time de várzea, aqui também se mostra um escritor de editora de várzea e também poderia sê-lo cineasta de várzea, crítico de cinema de várzea, crítico literário, também, de várzea. Ele é o cara da várzea, mesmo numa época em que as tais várzeas, e no Rio de Janeiro os subúrbios, parecem não mais existirem, agora foram englobadas no gênero perifa!

Tenho me perguntado por quê inventamos de criar o Blog Volante de Time de Várzea. Como bons derrotados não pensamos muito, apenas sentimos vontade e o fizemos, não ocorreu reunião do time de marketing, não pensamos em finanças, vendas, realpolitik etc., foi como oferecer um gole de cerveja a um conhecido no bar, apenas dissemos um ao outro: pega um copo e traz pra mesa!

Eu também tenho me perguntado ainda por quê eu a prefaciar o utópico blog agora transmutado à pomposa versão impressa? Sei que há camaradagem mediando tudo na vida, quase nunca é mérito, nossas elites e classes médias altas que nos digam, as pessoas que conheceram nos bons colégios lhes renderão acesso privilegiado por toda a vida, isto faz toda a diferença, não foi diferente comigo, salvo o fato de não ocuparmos o patamar social do privilégio e nem termos nos conhecidos em colégios tradicionais.

No plano da imanência não faz muito sentido prefaciá-lo, algumas pessoas podem pensar o contrário, mas eu não sou no sentido erudito um homem de letras, hommes des lettres, como diziam no passado em meios mais polidos, ou seja, não faz muito sentido mesmo prefaciar o livro de nosso amigo, não vou acrescer qualquer valor ao objeto de seu trabalho… talvez seja a amizade mediando, costurando reto em linhas tortas como um drible de garrincha.

Eu sempre gostei de coisas concretas, aprendi marcenaria, fazer pão de fermentação natural, jardinagem, horta, mecânica, cozinhar, criar abelhas e outras tantas aventuras manuais. Mas advirto a mim mesmo que as palavras não deixam de representar objetos, o contrário não, ontologicamente primário é o objeto, a palavra é mera representação, basta lembrar da famosa cadeira de Joseph Kosuth. E eu sou vidrado em objetos concretos e não em suas representações escritas… o que complica mais ainda eu continuar aqui!

Mas aprendi outra extensão da palavra arquitetar com o festejado e saudoso arquiteto Paulo Mendes da Rocha. A ele, arquitetar não era atuação de seu ofício de arquiteto, mas significava tudo em que pomos as mãos ou até mesmo quando nos pomos a pensar sobre algo, mesmo que figurativamente, estamos arquitetanto algo.

Se há algo que me ajudou vir aqui escrever torto em linhas retas é porque sei que a leitura de textos de pessoas que escrevem bem têm tanta concretude como se pudéssemos tocar os objetos representados pelas palavras. O que me motiva escrever é esperar que alguém leia como se visse objetos reais a partir destas insossas palavras, embora eu não acredite nesta minha capacidade.

Já Ed Limas faz com que as palavras tenham até cheiro, sabor, textura e formas visuais, e sua cultura pop-erudita que circula desde a MTV, passa pela ABL, cinemas de rua, seminários universitários, as antigas gerais dos estádios e os botequins de várzea fazem com que nos identifiquemos com seus passeios pelos recortes de mundo por onde circula que se metamorfoseiam em palavras e nossa leitura realiza a reconversão nos objetos reais que ele vivenciou. Foi isto que me permitiu aceitar me limitar às palavras, além do fato que sempre fui péssimo desenhista e se eu pudesse pintar um mundo ele não teria beleza alguma, já com as palavras eu escondo melhor minhas limitações. 

O texto de Ed Limas é uma metamorfose, como naquela magnífica obra de Escher, Metamorphosis. O mundo é vivenciado pelo escritor, ele registra em suas percepções e converte-o em textos para que o alcancemos lendo. São muitas mediações, mas lê-lo é relacionar-se com o mundo real a partir do ponto de vista do autor, como bem apresentado por György Lukács em sua Estética.

Há uma observação final, a existência de um recorte socioeconômico de leitoras e leitores bastante específicos buscadxs nesta obra, os textos têm formato para serem lidos no transporte público, seja no trem, metrô ou ônibus, quem nunca cortou a cidade num destes - e nossos abismos socioeconômicos contam com pessoas que circulam pela cidade apenas em carros blindados ou em helicópteros e devidamente escoltadxs com segurança -, certamente, os textos não farão sentido algum, o autor mimetiza a fração popular de nosso povo.

Ler o Volante de várzea é um passeio acompanhado por ele ouvindo suas sofisticadas percepções sobre o mundo por onde circula. É uma vitória sua, é também nossa por partilhar conosco!


o Editor do Blog