Aforismos do quarentenário
texto de novembro de 2019
Recebi uma infinidade de mensagens bonitas e carinhosas na data de ontem, até hoje ainda as recebi. O que é uma alegria e queria retribuir de algum modo com algumas reflexões pessoais que não sei se devem ser apresentadas assim, mas decidi publica-las.
Esta foi a quarta vez que comemorei dez anos de vida, a segunda dos vinte e a primeira dos quarenta, o que com alguma sorte comemorarei mais uma vez, já que minha saúde sinaliza ser impossível uma terceira ocorrência.
Pelo corpo ainda tenho uns trinta anos, a pele aparenta quarenta, os poucos cabelos já apontam que passei dos sessenta, pela barba dos setenta e a cabeça deve ser de oitenta há alguns anos....
Cá estou, agora creio que adulto. Aprendi com os anos a reconhecer o valor do passado e das tradições, e que nosso caminho que segue uma cronologia também se combina com uma busca do passado, da anacronia, que é um dos elementos de nossa identidade, já que não temos pedrigree registrado nas sociedades cinófilas para definir o que somos. Sou pouco compreensivo com quem ainda está vivo e saudável e prefere viver num mundo que não existe mais, salvo em suas memórias, porque efetivamente só existe o presente.
Ainda assim procuro ser justo e generoso com as pessoas como forma de retribuir o que aprendi nos últimos quarenta anos. Se não fosse por um universo de pessoas sequer uma palavra eu saberia, e aprendi muitas delas. As grandes pessoas que conheci sempre tinham o valor da retribuição à coletividade daquilo que elas receberam, porque sempre souberam que sozinhos nada seriam, embora eu não seja grande ao menos procuro pelo princípio. Seria igualmente injusto deixarmos de valorizar todas pessoas que nos encorajaram em nossos momentos de insegurança, fraqueza ou doença, todxs os têm, afinal, viver com intensidade é como atravessar uma corda bamba ao vivo e se fôssemos integralmente seguros não haveria surpresa alguma e não precisaríamos ser especiais para fazermos a diferença.
Aprendi também que muito da vida é negociável, que a plena identificação nossa com as demais pessoas não existe, nem mesmo conosco, já que sempre gostaríamos de ser um pouco melhores comparando com aquilo que efetivamente conseguimos, ou seja, há também uma auto-reprovação daquilo que somos para aquilo que pretendemos ser. Assim, seria mais que injusto esperar das demais pessoas que conseguissem ser exatamente aquilo que gostaríamos que nós mesmos fôssemos, embora não alcancemos... Assim é possível conviver, respeitar e admirar pessoas que têm elementos e valores comuns com os nossos, só devemos manter mesmo distância dos que não têm valor algum sobre a vida, que são invejosos, fracos, babacas, bundamoles, desconhecem a amizade, o amor, a honra e a busca da felicidade que nunca deve ser uma conquista individual, mas social no âmbito das oportunidades de desenvolvimento humano serem igualitárias. A cada dia o Brasil perde aqueles que poderiam ser grandes professores, engenheiros, médicos e profissionais das mais diversas áreas para construírem um país melhor, mas é incapaz de que todos eles tenham a mínima oportunidade de serem alfabetizados verdadeiramente e que possam ter uma educação básica aceitável, quem não se incomoda com isto não é respeitável.
O melhor caminho nem sempre é a linha reta, pode ser a hipérbole ou as curvas sinuosas e somente não podemos ser flexíveis com nossos mais importantes valores que não estão passíveis a qualquer negociação e a covardia sempre deverá passar longe, quem tem valores deve ter coragem para defendê-los até as últimas consequências, afinal, não vale viver tendo perdido os princípios mais essenciais, seria uma vida vazia e nula, preferível cair com eles que depois deles!
A cada dia viver neste país nos ensina a importância da democracia, da alteridade, da dedicação aos estudos para obtenção de conhecimento e da necessidade da convivência com pessoas civilizadas.
Consegui reequilibrar a saúde com a homeopatia, parecia uma bobagem, mas tem dado bons resultados. Comer com cuidado, beber com algum controle, não cometer mais que seis excessos anuais (exagerar uma vez a cada dois meses não cumulativamente), praticar esporte com moderação, passear e conversar com o cachorro, estar nos espaços de arte e cultura produzindo e recebendo (cinema, música, literatura, teatro, plásticas), nutrir verdadeiras amizades e buscar a felicidade são formas de se obter saúde e desejar a vida.
Aprendi também que a simplificação cria boas retóricas que não possuem a menor relação com a realidade, somar 1+1+1+1 ou 2+2 só na matemática resulta em quatro. É um tanto difícil nestas somas da vida cotidiana alcançar o quatro, quem simplifica sempre se desqualifica publicamente. Não é propaganda de um livro que não li, mas, entre o preto e o branco existem muitos tons de cinza e um marco de nossa maturidade é encontrar o maior número de tons entre os dois extremos, afinal, conhecimento é capacidade de ir além de mera observação, não é o que se olha, mas o que se vê. Aprendi lendo um dos maiores pensadores do século XX que conhecimento é o domínio da toda a cadeia da relação de causalidade, em todas suas conexões de desenvolvimento, em sua totalidade.
Mantenho forte antipatia, para ser eufemista, por quem é feito de plástico e vive no mundo protocolar das aparências, não acredita no que diz e nem se sente envergonhada; e, talvez, mais ainda, pelos deslumbrados. Dos primeiros eu rio, dos segundos me afasto. Viver integralmente exige ser e estar verdadeiramente.
Não é porque não se alcança a plenitude que se abandona a intervenção na vida, devemos buscar sempre o mais próximo do 3,99999999 daquela soma. Não se abandona e nem se cria ilusões, tem de se conviver com a certeza de que a impossibilidade e o inalcançável operam constantemente, mas nossa teimosia deve nos conduzir, até mesmo nos enganando, como sendo possível alcançarmos o absoluto.
Conhecimento não é o mesmo que sabedoria e combinar os dois não é para iniciantes. Tem pessoas cultas que não são sábias, o contrário apresenta pessoas sábias que são frágeis e ingênuas diante do mundo, já que lhes falta conhecimento.
Desconfio de quem não ri e de quem nunca é sério, é possível combinar os dois. A vida sem o humor não valeria bem menos. E as antigas comédias italianas de Monicelli, politicamente incorretas, eram estupendas.
Quanto mais se vive mais se perde, as pessoas que gostamos se vão, e os bichos também, te-las apenas na memória é como dente que dói, mas não há dentista que cure essa dor. Não há motivo para sermos fdp com os outros, salvo em legítima defesa, todos vamos passar por estas barras pesadas, nós e eles, e seremos devorados por aqueles que habitam nosso intestino.
Tentarei buscar minha segunda chegada aos quarenta anos e procurarei fazer algum uso destas reflexões, mas guardei outras para quando chegar aos 50, pelo que vi cada decênio vai ficando mais próximo... até lá!