Presença da Ausência de Yasujiro Ozu
No dia 12 de dezembro de 2013 o cinema lamentava os sessenta anos da partida de um de seus mais cuidadosos mestres: Yasujiro Ozu! Que curiosamente faleceu no mesmo dia em que completou sessenta anos.
Nascido em Tóquio pouco mais de dez anos antes da primeira grande guerra, onde faleceu exatas seis décadas depois numa cidade já tinha perdido seu encanto para sua ocidentalização.
A primeira vez que assisti a um filme do grande mestre japonês foi por uma cópia presenteada por meu amigo cinéfilo Sérgio Weinmann, o filme era “Contos de Tóquio”, filme que em 2012 completou setenta anos de seu lançamento e penso que resuma bem a riqueza de toda a narrativa cinematográfica de Ozu.
O cinema de Ozu é composto por imagens monótonas, quase todas em preto e branco, captadas por uma câmera parada à altura dos olhos de um oriental sentado no chão ornadas quase que pelo silêncio, indiscutivelmente uma poesia cinematográfica, ou melhor, um hai kai!
Talvez tenha sido o cinema de Ozu um certo manifesto Câmera Olho de Dziga Vertov em sua versão nipônica, com sua típica delicadeza combinada à uma negação da forma cinematográfica.
A polaridade posta por Ozu em seu cinema é o marco da segunda grande guerra, um Japão pretérito e um outro pós-guerra. Talvez caiba afirmar que o ocidente despejou muito mais do que bombas naquelas terras, mas também uma epidemia cultural numa acepção ampliadísssima que terminou por ocidentalizar o oriente tornando-os praticamente indistinguíveis, como se tivessem perdido suas respectivas particularidades. E por distinguir esses dois períodos, como se fossem dois países, todo o restante também foi acometido por essa epidemia: duas gerações, dois tipos de objetos, dois idiomas, duas formas de se vivenciar o tempo, duas formas de se relacionar pessoalmente... dois países distintos que coabitam!
Não se sabe se o cinema de Ozu era uma denúncia nostálgica das modificações postas pela ocidentalização “modernizadora” (com muitas ressalvas ao uso do termo moderno) ou alguma apologia às mudanças. Uma visão de inteira responsabilidade minha é de que para Ozu o moderno Japão era uma agonia inafastável e difícil de aceitar, seu último filme trata bem de como aquele mundo novo coberto por letreiros elétricos em inglês por toda parte soava decadência.
Como no mundo moderno o ser (substantivo) das pessoas não importa, os objetos falam pelas pessoas e o cinema de Ozu tem objetos novos por toda parte, o vinho e a cerveja que ocupam os copos de saquê, as vestimentas ocidentais que se afirmam no espaço cotidiano e toda uma gama de bugigangas que prometiam uma nova vida muito feliz como numa publicidade qualquer, como disse H. Lefebvre a “publicidade é a poética moderna”!
Os objetos têm vida, mais vida que a própria humanidade, talvez uma denúncia de um mundo de objetos fruto da industrialização acelerada que se impõe como inevitável, que produz para se produzir mais, mesmo que ao alto custo para nossa socialização, nosso enriquecimento cultural e o tempo acelerado da produção dos objetos impõe uma experimentação acelerada da vida.
E contrariando o Japão acelerado do pós-guerra o cinema de Ozu é silencioso! Um cinema carregado de imagens estáticas; de poucas palavras e muitos silêncios; um tempo que não corresponde ao tempo do cinema, mas do próprio cotidiano. Uma confrontação de dois modos de existência social necessária para despertar nossa reflexão!
O mais coerente é concluir o texto imediatamente, uma vez que existem inúmeros textos tratando de Ozu. O único propósito é de que este sirva de estímulo para se conhecer este mestre esquecido.
Com o mesmo olhar saudoso que Ozu filmava sua terra que hoje saudosamente reverencio o grande mestre nipônico, o mais japonês de todos os cineastas japoneses!